domingo, 6 de junho de 2010

Conto: "A Mudança"


Nesse conto um homem narra sua saga após decidir escolher um novo caminho para sua vida. Uma longa viagem em busca de um novo lar. Seu destino ele conhece, no entanto a longa jornada até lá será cheia de desafios e surpresas. Acompanhe-o nessa aventura que será publicada em partes aqui nesse blog. Boa viagem! 

Parte 1 - Encaixotando as Memórias



Estou de mudança. Decidi sair da casa onde morei boa parte da minha vida até agora. Um casarão enorme, com uma fachada rústica em tons de cinza, de onde não se enxerga nada do que se passa lá dentro. Um prédio gigantesco e imponente muito bem localizado que se destaca entre os prédios da vizinhança, mas não chega a ser bonito nem tampouco feio.
Seria injusto dizer que fui infeliz nesse lugar. Durante todos esses anos que vivi aqui, escrevi aos poucos minha história, acumulando inúmeras conquistas e fracassos, além de uma infinidade de móveis, objetos e quinquilharias. Entretanto, ao longo do tempo esse casarão enorme passou a me sufocar. Era como se eu vivesse em constante alerta de que o prédio pudesse cair sobre minha cabeça a qualquer momento. Esse nunca foi o lugar onde sempre sonhei morar. Aqui nunca vivi a vida que sempre sonhei viver. 
Portanto tomei uma decisão: vou me mudar para um lugar muito distante daqui. Uma casa que em nada lembra a robustez do meu casarão. Ela é muito menor, mas não menos aconchegante. Tem janelas de frente pra rua. Cores vivas na fachada. Também não é feia nem bonita, mas é o lugar que escolhi para ser o meu lar. Uma casa que será preenchida pela vida que sempre sonhei viver. Um lar onde me sentirei muito mais seguro e poderei deixar minhas janelas abertas. 
Essa não foi uma decisão repentina. Pensei e planejei isso durante muito tempo. Pesquisei várias empresas de transporte que pudessem fazer a minha mudança. Escolhi uma bem renomada que tem ótimos profissionais e uma frota de veículos bem moderna, afinal a distância é muito grande e não quero correr o risco do caminhão quebrar no meio da estrada. Será uma viagem muito longa e estaremos sujeitos às condições do tempo, estradas esburacadas e trechos muito sinuosos, portanto poderá haver diversos imprevistos durante a jornada. 
Há alguns dias comecei a encaixotar meus objetos e desmontar os móveis. Esquecidos no fundo de gavetas e armários encontrei diversos objetos que me reavivaram as mais diversas memórias. A maioria das coisas já não tem mais utilidade nenhuma. Algumas até tem utilidade, mas não terão espaço na vida que escolhi viver. Mas todos esses objetos estão impregnados de fragmentos da minha história.  
Esvaziar esse casarão me forçou a reviver tudo o que passei aqui nessa casa. Cada objeto me lembrava um instante diferente da minha vida até aqui. Cada lembrança tinha um significado específico, algumas ainda estavam fortes na minha memória, outras já haviam se perdido com o tempo. A cada caixa que eu lacrava revivia um punhado de anos de histórias e vivências. Por fim, quando terminei de encaixotar tudo, percebi que havia acabado de fazer um ótimo exercício de auto-conhecimento.  
Juntei tudo em caixas sem me preocupar em organizar os objetos. Apenas recolhi tudo o que havia acumulado nesses anos todos. Só então me lembrei que a minha nova casa era muito menor do que esse casarão. Nesse momento me veio à tona que, para fazer essa mudança, eu teria que fazer muitas escolhas. Teria que reorganizar os objetos que iria utilizar no meu novo lar e me desfazer dos que fossem inúteis. Seria fácil simplesmente descartar alguns desses objetos, principalmente os que não tiveram muita importância na minha vida ou que não teriam utilidade nenhuma no meu novo lar, mas entre toda aquela quinquilharia que eu juntei com certeza teria dificuldade de abrir mão de muitas coisas. Fazer essas escolhas não seria uma tarefa fácil. 
Enfim, está tudo encaixotado. Meu antigo casarão já não faz mais parte da minha vida, mas parto daqui carregando tudo o que acumulei. O que continuará comigo no meu novo lar decidirei no momento oportuno. Agora, preciso estar preparado para enfrentar as dificuldades que possam aparecer no caminho. 
O caminhão da mudança encosta na frente do casarão e dois homens se encarregam de colocar tudo dentro do baú. O caminhão é grande, afinal é muita coisa pra se carregar. Os homens terminam de fazer o serviço e somente o motorista fica para me acompanhar na viagem, mas ele deixa claro que eu serei o responsável por indicar o caminho. 
Decidi fazer a viagem dentro do baú do caminhão, assim no caminho eu poderia ir organizando os objetos, escolher de quais iria me desfazer e quais continuaria fazendo parte da minha nova vida. O motorista autorizou que eu viajasse na parte de trás do caminhão, de onde posso manter contato com ele para dar as coordenadas do nosso destino.  
E assim o caminhão partiu em direção ao meu novo lar, deixando pra trás o casarão onde nunca sonhei morar e a vida que nunca sonhei viver.
Continua...


Léo Castro

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