sábado, 19 de junho de 2010

Conto: "A Mudança"


Parte Final (?) - O Fim da Viagem. O Início de uma Nova Vida.

Finalmente estava no meu tão sonhado novo lar, onde decidi viver minha nova vida. Levei menos tempo para organizar os móveis e objetos na nova casa do que para encaixotá-los há alguns dias no meu antigo casarão. Rapidamente encarreguei-me de me livrar dos objetos que havia separado durante a viagem em uma caixa onde se lia: "Jogar Fora". Os objetos dos quais sabia que deveria me desfazer, mas ainda não havia encontrado coragem para tal, mantive encaixotados e guardados. Ainda precisava refletir sobre os motivos que tinha para me livrar deles. Minhas condecorações e medalhas coloquei em lugar de destaque na casa. Não para exibir minhas glórias a quem pudesse ver, mas para que eu pudesse me lembrar constantemente do que eu era capaz. Dos meus fracassos, tentei me desfazer junto com os objetos que descartei. Apesar disso, minhas falhas e derrotas deverão me acompanhar para sempre na forma de aprendizado, servindo como parâmetros para que eu posso reconhecer meus limites e minhas fraquezas.
Tudo pronto. Os móveis e objetos estavam em seus devidos lugares. Cuidei de deixar a decoração ao meu gosto. Deixei as janelas da frente bem abertas, exibindo um ambiente muito agradável e acolhedor. Já me sinto parte do meu novo lar, mas ainda não me sinto vivendo minha nova vida. Finalmente encontrei o lar onde sempre sonhei morar, mas não consigo sentir o frescor da nova vida que escolhi viver.
Quando decidi me mudar, achei que morar no lar que sempre sonhei morar bastaria para que eu pudesse viver a vida que sempre sonhei viver. Será que tomei a decisão errada? Será que esse não é o lar dos meus sonhos? Devo mudar a decoração ou rearranjar os móveis? Que tal uma nova pintura? Dúvidas e questionamentos que sempre me acompanharam na vida que vivi até agora continuavam me perseguindo enquanto eu tentava descobrir uma maneira de me sentir mais vivo naquele lugar maravilhoso.
Conforme os dias passaram, fui criando minha nova rotina dentro do meu novo lar. Adaptei-me muito rapidamente ao meu novo endereço e à minha nova vizinhança. Definitivamente, sinto-me muito seguro e confortável aqui. Realmente gosto desse lugar. Mas ao passar dos dias, enquanto seguia minha nova rotina - palavra que define os hábitos e tarefas a serem realizados de forma mecânica e repetitiva no dia-a-dia de um indivíduo, para muitos, sinônimo de monotonia - fui me dando conta de que a vida que eu sempre sonhei viver não seria encontrada ao final daquele viagem, no instante em que eu entrasse no meu novo lar. A mudança que eu buscava teria que ocorrer dentro de mim. Não bastava só mudar de endereço. Viver uma nova vida exigia uma mudança de atitude. Um novo olhar  sobre tudo o que está a minha volta. Uma nova postura diante dos desafios do dia-a-dia.
A viagem mais dura e desgastante que me é reservada é a grande jornada da vida. Um trajeto que eu deverei seguir ciente de que haverá muitos imprevistos, curvas perigosas, freadas e solavancos que exigirão que eu tenha muito equilíbrio. Mas, caso eu vá ao chão terei de buscar forças para me botar de pé novamente. Nessa jornada, eu mesmo deverei assumir a responsabilidade de escolher os caminhos por onde seguirei.
Quanto à minha nova casa, o lar aconchegante e seguro onde sempre sonhei viver, vez em quando terei que fechar as janelas, rearranjar os móveis, fazer uma nova pintura, mudar a decoração e até mesmo jogar algumas coisas fora. Além disso, terei que encontrar a coragem para me livrar dos objetos que guardei, mesmo sabendo que não deveriam mais fazer parte de mim. Tudo o que for preciso para que eu continue me sentindo parte do lar onde sempre sonhei morar.
A viagem até meu novo lar, apesar das dificuldades, chegou ao fim. Sigo agora a minha jornada mais longa. Uma jornada sem destino definido. Seguindo sempre em busca de mim mesmo.
FIM (?)

Léo Castro

Conto: "A Mudança"


Parte 3 - A Chegada



Apesar do tempo perdido, a viagem segue. Repensei a rota a partir do ponto onde estávamos e tentei não me abalar com o que havia ocorrido. Mas para mim é claro que a chama da empolgação inicial com a mudança já estava menos reluzente nesse momento. Para tentar recuperar o ânimo voltei a vasculhar meus objetos. Dessa vez procurei objetos que pudessem me trazer boas lembranças. Condecorações, congratulações por conquistas alcançadas, medalhas de honra ao mérito, diplomas, certificados, ou seja, objetos que não tem nenhum valor material, mas que trazem à tona boas memórias de meus momentos de glória. Rever o trajeto da minha vida a partir de minhas glórias conseguiu resgatar um pouco do estado de espírito que eu estava no início da viagem. No fundo, eu desconfiava que esse estalo de empolgação fosse um tanto artificial. Entretanto, momentaneamente foi o suficiente para me devolver a disposição para continuar a viagem rumo ao meu tão sonhado novo lar.
As freadas e os solavancos continuavam enquanto eu revirava aquele monte de quinquilharias. Nesse momento a viagem segue o trajeto correto porque estou constantemente orientando o motorista. Tive dúvidas em algumas encruzilhadas, mas nada que tenha comprometido significativamente a viagem. O que me incomodava era a lentidão com que o tempo passa dentro do baú do caminhão. Conforme o tempo se arrasta lentamente eu vou me afastando de mim mesmo. Em alguns momentos até esqueço que estou fazendo a viagem mais esperada da minha vida. Encostado num cantinho confortável na parte de trás do caminhão, eu me perco em meus pensamentos. Até a organização dos objetos não me anima mais como antes. Chego até a me questionar se era realmente necessário ter encarado toda essa mudança. Mas já não há mais como voltar. Mais da metade do caminho já ficou para trás. Embora meu estado de espírito não esteja progredindo tão bem quanto antes, o competente motorista e seu caminhão imprimem um bom ritmo à viagem. Eu simplesmente tento acompanhar esse ritmo, continuando com minhas orientações ao motorista e organizando aos poucos meus valorosos pertences (ou nem tão valorosos).
Estamos chegando. Muitos quilômetros de solavancos e freadas já foram percorridos. Enfrentamos mais alguns imprevistos, contornados à medida do possível. Dentro de mim mesmo passeei em uma enorme montanha russa de sensações enquanto organizava e decidia quais objetos continuariam comigo. O mesmo para a minha motivação, que se bipolarizava, alternando constantemente entre a completa letargia e a empolgação exagerada. Contudo, finalmente estávamos muito próximos do meu novo lar.
Ao avistar minha nova casa o que sinto é uma forte excitação, um tanto adulterada pelo cansaço da longa viagem. Diferente da felicidade incontida que imaginei sentir quando esse momento chegasse, apenas esbocei um sorriso. Sorri por ter chegado ao meu novo lar, mas também sorri por que finalmente terminava aquela longa e desgastante viagem.
Descarreguei todos os móveis e as inúmeras caixas cheias de objetos com a ajuda do meu fiel companheiro de viagem, o competentíssimo motorista. Além da admiração pelo seu ótimo trabalho, fiz questão de demonstrar minha eterna gratidão pelo serviço muito bem prestado. Desejei uma ótima viagem de volta e me despedi do meu novo amigo. Enquanto ele partia, mantive meus olhos no caminhão até que não mais o pudesse ver, ao longe se misturando com os outros veículos q trafegavam na rodovia.

Continua...

Léo Castro

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Conto: "A Mudança"


Parte 2 - Os Primeiros Quilômetros



O motorista me orientou a ficar um tempo sentado na parte de trás do caminhão para me adaptar ao balanço causado pelas arrancadas, freadas e buracos do caminho. Os primeiros quilômetros realmente foram muito difíceis, mas como eu estava ainda extasiado pela idéia da mudança, me adaptei facilmente a toda aquela agitação. Quando me levantei fui tateando as paredes do baú do caminhão, me apoiando em alguns móveis e firmando os pés aos poucos até que fiquei completamente de pé. Logo veio um forte solavanco que me jogou para trás. Por pouco não cai sobre todas aquelas caixas, mas meus pés já estavam firmes no chão e consegui me equilibrar.
A viagem continuava. Durante as primeiras horas, percebi que o motorista mantinha uma boa velocidade. Logo pensei que se continuássemos naquele ritmo, poderíamos levar menos tempo do que eu havia imaginado para chegar ao meu novo lar. Trocava algumas poucas palavras com o motorista. Eu era responsável por indicar o caminho, mas até aquele momento nossa rota era simples, bastava indicar o sentido que o motorista nos guiava pelas melhores estradas, seguindo o fluxo dos outros carros.
Finalmente comecei a vasculhar algumas caixas com meus objetos. Decidi começar a organização pela parte que considerei mais fácil. Separei os objetos que seriam menos úteis e que não tinham tanta importância. Surpreendi-me com a grande quantidade de coisas sem importância e utilidade que acumulei durante esses anos. É claro que muitas vezes não nos damos conta da real importância que algumas coisas podem ter em nossas vidas, mas vendo aquela infinidade de coisas que juntei, percebi que até agora não havia me preocupado muito em fazer essa avaliação. A partir desse momento decidi que vou tentar avaliar melhor as minhas escolhas e dedicar menos tempo de minha nova vida a essas coisas inúteis.
A essa altura já estou mais acostumado com o balanço do caminhão, mas ainda preciso fazer muito esforço para me manter de pé. Todo esse esforço somado ao cansaço acumulado depois de dias dormindo pouco enquanto encaixotava minhas quinquilharias, ainda no meu antigo casarão, estou muito desgastado e meu corpo já não responde bem aos comandos de minha mente. Resolvi recuperar minhas energias e sentei-me em um cantinho, encostado em uma das caixas.
Embora quisesse descansar, tentava me manter acordado para orientar o motorista caso ele precisasse. Mas o cansaço falou mais alto e em poucos minutos adormeci profundamente. Sonhei com minha nova casa. Tudo era muito colorido e vivo no meu sonho, exatamente como eu imaginava. No sonho eu chegava perto da janela da casa e olhava para a rua acenando para as pessoas que passavam. As pessoas inicialmente estranhavam, mas acenavam de volta. Eu sorria o tempo todo e queria mostrar para as pessoas na rua como estava feliz naquele lugar. De repente ouço um enorme barulho e sinto um forte solavanco. Já não era mais sonho.
O forte estrondo me trouxe de volta ao baú do caminhão, onde tentava entender o que estava acontecendo.
O motorista me chamou e disse que havia passado em um buraco enorme e um pneu havia estourado. Saí de dentro do baú e minha primeira reação foi olhar a volta para ver onde estávamos. Não reconheci aquele lugar. Não sabia onde estávamos. Perguntei ao motorista se ele tinha alguma noção de onde estávamos e ele respondeu que sabia, mas não tinha certeza se era o caminho certo. Disse que havia tentado me acordar para perguntar a direção correta, mas por mais que insistisse não conseguia nenhuma resposta, então decidiu seguir viagem. De fato, havíamos nos desviado do caminho. Não podia culpar o motorista, a falha foi toda minha. Negligenciei minha tarefa de informar o caminho e por isso perdemos muito tempo de nossa viagem. Ao menos não estávamos perdidos, mas esse erro me custou muito caro.
A viagem precisava seguir em frente, já havíamos perdido muito tempo com esse desvio. Mas confesso que fiquei bastante abalado com essa falha. Que ao menos tenha servido de lição para a continuidade da viagem. Trocamos o pneu e seguimos em frente.

Continua...

Léo Castro

domingo, 6 de junho de 2010

Conto: "A Mudança"


Nesse conto um homem narra sua saga após decidir escolher um novo caminho para sua vida. Uma longa viagem em busca de um novo lar. Seu destino ele conhece, no entanto a longa jornada até lá será cheia de desafios e surpresas. Acompanhe-o nessa aventura que será publicada em partes aqui nesse blog. Boa viagem! 

Parte 1 - Encaixotando as Memórias



Estou de mudança. Decidi sair da casa onde morei boa parte da minha vida até agora. Um casarão enorme, com uma fachada rústica em tons de cinza, de onde não se enxerga nada do que se passa lá dentro. Um prédio gigantesco e imponente muito bem localizado que se destaca entre os prédios da vizinhança, mas não chega a ser bonito nem tampouco feio.
Seria injusto dizer que fui infeliz nesse lugar. Durante todos esses anos que vivi aqui, escrevi aos poucos minha história, acumulando inúmeras conquistas e fracassos, além de uma infinidade de móveis, objetos e quinquilharias. Entretanto, ao longo do tempo esse casarão enorme passou a me sufocar. Era como se eu vivesse em constante alerta de que o prédio pudesse cair sobre minha cabeça a qualquer momento. Esse nunca foi o lugar onde sempre sonhei morar. Aqui nunca vivi a vida que sempre sonhei viver. 
Portanto tomei uma decisão: vou me mudar para um lugar muito distante daqui. Uma casa que em nada lembra a robustez do meu casarão. Ela é muito menor, mas não menos aconchegante. Tem janelas de frente pra rua. Cores vivas na fachada. Também não é feia nem bonita, mas é o lugar que escolhi para ser o meu lar. Uma casa que será preenchida pela vida que sempre sonhei viver. Um lar onde me sentirei muito mais seguro e poderei deixar minhas janelas abertas. 
Essa não foi uma decisão repentina. Pensei e planejei isso durante muito tempo. Pesquisei várias empresas de transporte que pudessem fazer a minha mudança. Escolhi uma bem renomada que tem ótimos profissionais e uma frota de veículos bem moderna, afinal a distância é muito grande e não quero correr o risco do caminhão quebrar no meio da estrada. Será uma viagem muito longa e estaremos sujeitos às condições do tempo, estradas esburacadas e trechos muito sinuosos, portanto poderá haver diversos imprevistos durante a jornada. 
Há alguns dias comecei a encaixotar meus objetos e desmontar os móveis. Esquecidos no fundo de gavetas e armários encontrei diversos objetos que me reavivaram as mais diversas memórias. A maioria das coisas já não tem mais utilidade nenhuma. Algumas até tem utilidade, mas não terão espaço na vida que escolhi viver. Mas todos esses objetos estão impregnados de fragmentos da minha história.  
Esvaziar esse casarão me forçou a reviver tudo o que passei aqui nessa casa. Cada objeto me lembrava um instante diferente da minha vida até aqui. Cada lembrança tinha um significado específico, algumas ainda estavam fortes na minha memória, outras já haviam se perdido com o tempo. A cada caixa que eu lacrava revivia um punhado de anos de histórias e vivências. Por fim, quando terminei de encaixotar tudo, percebi que havia acabado de fazer um ótimo exercício de auto-conhecimento.  
Juntei tudo em caixas sem me preocupar em organizar os objetos. Apenas recolhi tudo o que havia acumulado nesses anos todos. Só então me lembrei que a minha nova casa era muito menor do que esse casarão. Nesse momento me veio à tona que, para fazer essa mudança, eu teria que fazer muitas escolhas. Teria que reorganizar os objetos que iria utilizar no meu novo lar e me desfazer dos que fossem inúteis. Seria fácil simplesmente descartar alguns desses objetos, principalmente os que não tiveram muita importância na minha vida ou que não teriam utilidade nenhuma no meu novo lar, mas entre toda aquela quinquilharia que eu juntei com certeza teria dificuldade de abrir mão de muitas coisas. Fazer essas escolhas não seria uma tarefa fácil. 
Enfim, está tudo encaixotado. Meu antigo casarão já não faz mais parte da minha vida, mas parto daqui carregando tudo o que acumulei. O que continuará comigo no meu novo lar decidirei no momento oportuno. Agora, preciso estar preparado para enfrentar as dificuldades que possam aparecer no caminho. 
O caminhão da mudança encosta na frente do casarão e dois homens se encarregam de colocar tudo dentro do baú. O caminhão é grande, afinal é muita coisa pra se carregar. Os homens terminam de fazer o serviço e somente o motorista fica para me acompanhar na viagem, mas ele deixa claro que eu serei o responsável por indicar o caminho. 
Decidi fazer a viagem dentro do baú do caminhão, assim no caminho eu poderia ir organizando os objetos, escolher de quais iria me desfazer e quais continuaria fazendo parte da minha nova vida. O motorista autorizou que eu viajasse na parte de trás do caminhão, de onde posso manter contato com ele para dar as coordenadas do nosso destino.  
E assim o caminhão partiu em direção ao meu novo lar, deixando pra trás o casarão onde nunca sonhei morar e a vida que nunca sonhei viver.
Continua...


Léo Castro